"— Meu empregado fez o que não devia no trabalho? O que eu faço agora? Posso puni-lo? Que pena eu aplico?"
Se você tem essas dúvidas sobre quando e como aplicar penas disciplinares a seus empregados, siga os passos abaixo deste guia jurídico que preparamos para você.
Uma pena disciplinar só pode ser dada quando o fato relacionado estiver bem conhecido e entendido pelo empregador.
É preciso saber:
Quem fez
Quem cometeu a infração disciplinar. Pode haver mais de um infrator, e todos devem ser tratados individualmente, na medida da sua conduta, para não punir uns pela conduta de outros.
Atenção especial deve ser dada a condutas praticadas por terceiros, como clientes, para não se responsabilizar o empregado por essas condutas que ele não cometeu.
O que fez
O que exatamente o empregado fez ou deixou de fazer, isto é, a conduta em si. O que mais importa neste momento é aquilo que aparentemente configura uma infração.
Procure saber tudo o que envolveu aquela ação ou omissão do empregado. Foi grave? Qual a medida dessa gravidade? Era inevitável?
Onde fez
Normalmente, só condutas praticadas nos estabelecimentos do empregador estão sujeitas a medidas disciplinares, porque dizem respeito ao contrato de emprego. Mas há casos em que o empregado trabalha fora do estabelecimento.
Também há casos em que, mesmo fora da jornada de trabalho, o empregado comete infrações disciplinares e pode ser punido por isso, não importando se ele estava no estabelecimento, na sua casa ou em qualquer outro lugar.
Quando fez
O tempo em que a suposta conduta infratora foi cometida é muito importante na aplicação da pena disciplinar, pois punir empregados por infrações muito antigas não atende à finalidade disciplinar, e pode ser questionado judicialmente.
Dizer se uma conduta é muito antiga ou atual é relativo, e depende da análise do caso concreto. Nessas horas, questione: tratar desse assunto agora levará o empregado a ser mais disciplinado ou não trará nenhum efeito positivo?
Quando o empregador soube
A conduta pode ter sido cometida há poucos minutos, ou há horas, ou dias. Pode haver condutas praticadas muito tempo atrás, que só foram conhecidas recentemente. Em todo caso, fique atento ao seguinte:
mesmo quando a conduta não é tão atual, o que mais importa é quando o empregador ficou sabendo disso;
desde o momento em que o empregador toma ciência da conduta, espera-se que ele tome as providências que entender cabíveis e, se nada fizer dia após dia, entendem os tribunais que o empregador perdoou a infração tacitamente, isto é, sem dizer claramente;
o conhecimento por qualquer chefia torna o empregador ciente do fato, porque esses chefes via de regra representam o empregador.
Uma infração só poderá ser penalizada pelo empregador se houver fundamento jurídico para isso. Para chegar ao fundamento jurídico da infração, pergunte:
O que ele fez viola alguma norma?
Uma infração é a quebra de (desobediência a) uma norma, seja por fazer o que é proibido, seja por não fazer o que é exigido.
Nas relações de emprego há vários tipos de normas regendo a conduta de ambas as partes (empregador e empregado), e elas podem ser normas legais, normas contratuais, normas coletivas, normas administrativas ou normas internas do empregador, dentre outras. Ao aplicar a pena disciplinar, cabe ao empregador identificar a norma aplicável ao caso concreto.
E não pode o empregador considerar como infração a conduta do empregado se não havia, antes da conduta, uma norma vigente tratando dessa conduta.
Existe alguma circunstância ou condição que justifique o que ele fez?
Pode acontecer de o empregado fazer algo proibido por alguma norma aplicável, mas as circunstâncias que envolvem o fato o autorizarem fazer o que fez.
Por exemplo: o empregado não pode faltar a suas jornadas de trabalho, e poderá ser punido disciplinarmente se vier a faltar, a não ser que justifique sua falta apresentando um atestado médico adequado (ou outra justificativa válida).
Depois de entender o que aconteceu, constatar que houve uma infração da parte do empregado e não há justificativa válida para o que ele fez, o empregador deve avaliar essa conduta infratora de duas perspectivas: a conduta em si e a conduta no meio das outras até então praticadas pelo empregado.
A conduta em si
Algumas perguntas precisam ser feitas quanto à conduta em análise:
A infração cometida é digna de uma punição disciplinar?
Penas disciplinares só devem ser aplicadas em último caso.
Às vezes foi apenas um descuido do empregado, nada sério. Outras vezes a falha foi do próprio empregador, que não orientou o empregado antes, ou não o fez de modo satisfatório. Outras vezes é só uma questão de pouca experiência, sem consequências maiores para o empregador.
Qual é o grau de culpa do empregado?
A culpa do empregado pode ser avaliada a partir de critérios como:
negligência: se (e o quanto) ele deixou de observar os deveres de cuidado e atenção básicos;
imprudência: se (e o quanto) ele deixou de agir com cautela e prudência;
imperícia: se (e o quanto) ele deixou de aplicar os conhecimentos e habilidades requeridos dele na ocasião.
A partir desses critérios, a culpa poderá ser classificada como leve, grave ou gravíssima, o que influenciará na escolha da pena.
A conduta no meio de outras
Depois de avaliar a conduta em si, é hora de colocá-la no meio das outras já praticadas pelo empregado. Surgem então as perguntas:
O empregado já havia cometido outras condutas infratoras antes?
Nada impede o empregador de punir um empregado por uma conduta faltosa, mesmo que seja a primeira depois de anos de boa conduta no trabalho.
Contudo, ao lado da gravidade da culpa, convém também avaliar e levar em consideração o histórico do empregado até ali. Isso faz parte do aspecto pedagógico do poder disciplinar do empregado, que visa a melhorar ou ao menos restaurar a boa relação entre as partes do contrato e o próprio ambiente de trabalho.
A partir da análise do histórico do empregado, o empregador poderá tanto abrandar uma pena quanto torná-la mais severa.
As infrações anteriores têm relação com a atual?
O empregado pode, por exemplo, faltar sem justificativa válida, e receber punição disciplinar por isso, pelo desleixo no desempenho das suas funções. Depois, num outro dia, ele pode receber uma ordem direta para enviar um e-mail específico antes de sair para o intervalo de almoço, e não cumprir essa ordem por esquecimento; por esse motivo, poderá ser penalizado novamente, devido a essa conduta insubordinada.
Contudo, ao aplicar essa nova pena, não convém que o empregador trate essa conduta como uma repetição do tipo de falha da anterior, porque são diferentes.
Por outro lado, se esse mesmo empregado, em dia posterior, se atrasa no início da sua jornada de trabalho, está novamente sendo desleixado no desempenho das suas funções, autorizando o empregador a aplicar uma pena mais severa pelo simples fato de se tratar de uma repetição no mesmo tipo de erro.
Quando se deu a infração relacionada anterior?
Condutas infratoras de mesmo tipo, mas distantes uma da outra no tempo, não podem ser tratadas em conjunto.
Claro que isso é muito relativo, a depender do tipo de infração e do tempo decorrido entre os dois fatos. Mas a pergunta chave é: dá para considerar esta última conduta como uma repetição da anterior?
Às vezes uma conduta infratora anterior, de mesmo tipo da mais recente, é tão antiga que nem se pode dizer que o empregado está piorando em sua conduta. Se não estiver piorando, não se justifica aplicar uma pena mais severa por reincidência.
O art. 482 da CLT lista os casos que autorizam o empregador a rescindir o contrato de emprego devido a uma conduta faltosa do empregado. É a chamada "demissão por justa causa".
A alínea "h" desse artigo, por exemplo, diz que o empregador pode rescindir o contrato se o empregado agir com indisciplina, isto é, se ele não seguir as regras internas a que está sujeito.
Contudo, raramente a conduta indisciplinada do empregado será constatada por apenas um caso (uma infração). Pelo contrário, normalmente a indisciplina será vista na repetição da desobediência dele às regras.
Mas o empregador não ficará passivo nas primeiras desobediências dele às regras internas: ele aplicará penas disciplinares em cada conduta faltosa, até que ele mude de postura; se não mudar e insistir na indisciplina, o contrato poderá ser rescindido por culpa dele.
De todo modo, em cada pena aplicada por desobediência às regras internas, o empregador usará esse art. 482, "h", da CLT como fundamento jurídico.
Cuidado para não confundir os fundamentos jurídicos que envolvem a punição disciplinar. Para poder aplicar uma pena disciplinar com respaldo legal, é preciso encontrar: 1) o fundamento jurídico da infração; e 2) o fundamento jurídico da penalização. O primeiro é a norma quebrada; e o segundo é o enquadramento dessa infração em alguma alínea do art. 482 da CLT. Um diz por que se trata de uma infração; o outro diz por que a infração está sendo penalizada.
O empregador tomou conhecimento do fato, descobriu que aquela conduta do empregado violou uma norma vigente sem justificativa válida, e essa sua conduta requer a aplicação de uma pena disciplinar. Depois de localizar onde se enquadra a infração no art. 482 da CLT, chegou a hora de escolher que pena será aplicada.
As espécies de penas
Aqui estão as penas que poderão ser aplicadas pelo empregador, em ordem progressiva de severidade (a próxima é mais severa que a anterior):
Advertência verbal
A advertência verbal é a aquela conversa que o empregador tem com o empregado faltoso, com dois objetivos básicos:
informá-lo de que ele cometeu uma infração séria, a qual deve ser apontada a ele;
alertá-lo de que, se ele tornar a cometer um ato faltoso de mesmo tipo, poderá sofrer uma penalidade mais severa.
Advertência escrita
A advertência escrita tem os mesmos objetivos da advertência verbal, com a diferença de que aqui o empregado é informado e alertado por meio de um documento.
Suspensão do contrato
A suspensão do contrato consiste em tratar o próprio contrato de emprego como "sem efeito" por um determinado tempo.
O contrato ainda existe, mas durante a suspensão nem o empregado nem o empregador cumprem suas obrigações principais, como trabalhar e remunerar o trabalho. Isso acontece naturalmente em situações como as licenças por incapacidades temporárias, mas aqui a suspensão está sendo imposta pelo empregador, como uma pena ao empregado.
Ao receber essa pena, o empregado não poderá prestar seus serviços durante o tempo da suspensão, e o empregador não será obrigado a remunerá-lo em relação a esses dias. Também haverá mais consequências econômicas contra o empregado, como o desconto do DSR.
Demissão por justa causa
Esta é a penalidade máxima, que rompe o próprio contrato de emprego. Além do emprego que é perdido, o empregado perde algumas verbas trabalhistas e outros benefícios.
Como escolher a pena
A escolha da pena levará em consideração a avaliação da conduta infratora, já realizada pelo empregador.
As regras aqui são:
Proporcionalidade
Faltas mais graves devem receber penas mais severas, e faltas mais leves, penas mais brandas. Não pode o empregador se exceder na penalização, motivado talvez por vingança, sem considerar o grau de culpa do empregado.
Progressividade
Tratando-se de uma repetição no mesmo tipo de conduta faltosa, pode o empregador aplicar uma pena mais severa. Se o empregado novamente cometer uma infração do mesmo tipo, a pena recebida será ainda mais severa. Ou seja, numa reiteração de condutas faltosas de mesmo tipo, a pena posterior será sempre mais severa que a anterior.
O empregador até pode repetir a mesma pena aplicada anteriormente, mas não convém aplicar uma pena mais branda que a anterior. Também não convém saltar direto para uma pena muito severa, se uma mais branda for possível para aquela conduta. É preciso dar mais oportunidades para o empregado se corrigir, em vez de tentar resolver o assunto com uma única pena, desproporcional à conduta em si e ao histórico de condutas do empregado.
No entanto, haverá casos em que a falta será de uma gravidade tal que o empregador estará justificado se, já de início, penalizar o empregado mais severamente, inclusive com a penalidade máxima de demissão por justa causa. Isso está de acordo com a regra da proporcionalidade.
Singularidade
Cada conduta infratora deve receber somente uma pena da parte do empregador. Por isso, se o empregado faltou injustificadamente, por exemplo, não pode ser penalizado com advertência e suspensão ao mesmo tempo; ou uma pena, ou outra. Duas penas só podem ser aplicada a duas condutas distintas, uma pena de cada vez.
Facultatividade
Aplicar penas disciplinares aos empregados é uma faculdade do empregado, ou seja, ele não está obrigado a isso. Pode, por exemplo, relevar determinadas faltas, se entender que isso é o melhor a se fazer naquele momento.
Todavia, além da coerência que envolve a aplicação das regras anteriores, é necessário ser coerente ao escolher não aplicar nenhuma pena. A incoerência nessa área pode trazer confusão e insegurança no empregado e nos seus colegas, criando um ambiente de imprevisibilidade e incerteza; também pode dar ocasião a tratamentos desiguais e discriminatórios.
Tendo escolhido qual pena aplicar, é hora de efetivamente infligir a pena ao empregado.
Na aplicação da pena, haverá detalhes próprios de cada pena escolhida, mas aqui estão as regras que valem para qualquer pena:
Aplique por um superior hierárquico
Não ordene que um colega do empregado faltoso, que não exerce chefia sobre ele, trate da aplicação dessa pena. Penas disciplinares encontram-se num contexto de subordinação jurídica, em que o empregador, pessoalmente (quando se tratar de pessoa física) ou por representantes, corrige as condutas de seus empregados subordinados, a fim de que se adéquem aos seus objetivos (do empregador) naquela relação jurídica.
Se alguém não representa com legitimidade a vontade do empregador na relação de emprego com o empregado faltoso, não pode aplica a pena.
Evite a exposição do empregado faltoso
Salvo se extremamente necessário, não mantenha ninguém no recito, além do empregado e seu superior, quando a pena for aplicada.
A aplicação de penas disciplinares constrange o empregado, mas é um constrangimento lícito. Porém, esse constrangimento não deve ser aumentado pela presença de terceiros, mesmo que se trate de colegas coautores da infração.
Não fuja do assunto da pena
O momento da aplicação da pena não é ocasião para descarregar no empregado todas as insatisfações do empregador em relação a todas as condutas do empregado (o que fez e o que deixou de fazer).
Atente-se o empregador ao fato relacionado à pena que está sendo aplicada. Para outros assuntos, o recomendado é tratar em reuniões próprias, desvinculadas dos assuntos disciplinares.
Os efeitos e a importância da conduta infratora e da respectiva pena não se restringem aos momentos em que ocorreram. Serão sentidos no curso da relação de emprego e talvez até em processos judiciais.
Por isso, é necessário registrar o que aconteceu. Servirão para consulta posterior, e também como prova.
Registre os seguintes fatos importantes, dentre outros que entender relevantes, na forma de um relatório contínuo:
A conduta infratora
Registre os dados principais do fato tratado como infração, relacionados a quem fez, o que fez, onde fez, quando fez e quando o empregador soube. Se o fato não for complexo, um parágrafo será necessário para registrar tudo isso.
Esse registro ajudará o empregador nos passos seguintes a tomar. Também será muito útil, de modo especial, quando a pena aplicada for de advertência verbal.
A pena aplicada
Registre:
quando o empregado foi penalizado;
quem aplicou a pena;
qual foi a pena aplicada; e
se o empregado se recusou a recebê-la.
Penas instrumentalizadas por documentos escritos já devem trazer todos esses dados, mas é recomendado manter um relatório do histórico das penas aplicadas (inclusive as verbais), e anexar aqueles instrumentos devidamente assinados.
As penas disciplinares têm o propósito de manter o empregado disciplinado, alinhado à postura que se espera dele na relação de emprego.
É por isso que as penas são variadas, sempre proporcionais à conduta. É por isso também que devem ser aplicadas de forma progressiva, considerando o histórico da conduta do faltoso.
Se tudo isso não for respeitado e observado, não haverá garantias de que os empregados desempenharão suas funções a contento, de acordo com as expectativas do empregador. E todas as penas aplicadas trarão mais riscos jurídicos do que segurança jurídica, produtividade e bem-estar no ambiente de trabalho.
As penas disciplinares são um poderoso recurso à disposição do empregador, mas devem ser tratadas com atenção e constância.
Se o empregador se sentir inseguro em todo esse processo, poderá recorrer a uma consultoria jurídica. O advogado contratado poderá tirar aquela dúvida persistente, nos seguintes pontos, por exemplo:
que norma foi violada pelo empregado?
a justificativa apresentada pelo empregado é válida?
a pena aplicada anteriormente ao empregado tem relação com essa nova conduta infratora?
em que alínea do art. 482 da CLT a falta do empregado se enquadra?
Além da consultoria, o advogado poderá também prestar assessoria jurídica ao empregador em todo o acompanhamento disciplinar de todos os seus empregados, minutando (rascunhando) advertências, suspensões e cartas de demissão, bem como lhe dando recomendações estratégicas, que evitam passivos trabalhistas e garantem o exercício seguro do direito de aplicar penas disciplinares.
Espero que este guia jurídico que preparamos tenha ajudado você nesse ato importante de punir disciplinarmente seu empregado. Se quiser conversar mais sobre esse assunto ou outro do seu interesse, entre em contato conosco.